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Águas da América Latina e do Caribe: contribuições em tempos de COVID-19

A gestão integrada e adequada dos recursos hídricos é uma das ferramentas mais poderosas para garantir o fornecimento de água potável e o tratamento de águas residuais. Em uma situação de pandemia, essa gestão pode impedir de maneira significativa a propagação da doença.

“Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos” é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 6) das Nações Unidas e reforça de maneira clara a necessidade de garantir que esses recursos estejam disponíveis para todos. No entanto, muitos não têm acesso a esse recurso. Além disso, se a água disponível para uma comunidade não é segura, ou se os seus sistemas de saneamento não atendem aos requisitos básicos, a água pode se tornar um vetor de doenças.

Quando se trata de garantir o suprimento de água potável e o tratamento de águas residuais, a gestão adequada e integrada dos recursos hídricos é uma das ferramentas mais poderosas. Em uma situação de pandemia, essa gestão impede a propagação da doença de maneira significativa.

Quem participa da gestão dos recursos hídricos? Dependendo de cada comunidade, políticos, executivos, tomadores de decisão, comunidade científica e habitantes dos territórios participam dessa gestão. O papel dos cientistas será fornecer informações seguras e de qualidade, a fim de obter resultados de pesquisas e relatos de práticas que apoiam as ações tomadas.

A comunidade científica pratica o intercâmbio de conhecimento em várias oportunidades. As circunstâncias atuais de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19 não são um obstáculo para se continuar a construir pontes na ciência. Assim, os especialistas em recursos hídricos aproveitam as ferramentas virtuais para encontrar e compartilhar soluções que abordam as várias realidades que envolvem a gestão das águas. Uma das questões mais importantes é a recomendação das autoridades para se lavar as mãos com água e sabão. Na América Latina, pelo menos 65 milhões de pessoas não têm acesso a água e sabão e, por isso, lavar as mãos não é uma atividade simples.

No dia 2 de março de 2020, durante o seminário online sobre ferramentas de gestão para o setor de águas na América Latina e no Caribe para enfrentar a COVID-19, quase 400 especialistas e tomadores de decisão conseguiram se reunir, com o objetivo de conhecer em primeira mão as realidades dos países da região no que diz respeito a seus recursos hídricos. O evento foi organizado em conjunto pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e pelo Programa Hidrológico Intergovernamental da UNESCO na América Latina e no Caribe.

65 milhões

de pessoas não têm acesso a água e sabão na América Latina e no Caribe

Nas palavras dos participantes

As palavras de Lidia Brito, diretora regional de Ciências da UNESCO na América Latina e no Caribe, destacaram os desafios do setor de recursos hídricos para garantir a igualdade no acesso à água e ao saneamento neste momento complexo. Esse setor deve estar na vanguarda, e é necessário fortalecer alianças na região para buscar respostas em conjunto.

Marcelo Korc, chefe da Unidade de Mudança Climática e Determinantes da Saúde da OPAS/OMS, também apontou o desafio da região, dadas as dificuldades de acesso à água potável e ao saneamento. Essa situação é uma oportunidade para mitigar o impacto da pandemia por meio de ações conjuntas com as autoridades hídricas, facilitadas e coordenadas pela estruturação de um “roteiro” de ações conjuntas.

Patricia Segurado, assessora regional de Recursos Hídricos e Saneamento da OPAS/OMS, abordou a relação entre água, saneamento e higiene na prevenção da COVID 19. A prevenção é mais do que necessária em uma região onde o acesso à água é um desafio. Além disso, a falta de investimento na gestão da água potável e saneamento produz um risco real. Em muitos países, menos de 1% do PIB é gasto em infraestrutura, e 15 milhões de pessoas defecam ao ar livre na América Latina e no Caribe.

Miguel Doria, especialista regional em hidrologia do Programa Hidrológico Intergovernamental da UNESCO, destacou a importância da gestão e da governança dos recursos hídricos para garantir o acesso à água, em particular pelas populações mais vulneráveis, de áreas rurais, áridas, semiáridas ou secas. Por esse motivo, ele ressaltou que o setor de recursos hídricos continua a operar durante emergências e destacou a importância da comunicação sobre as questões relativas à água. Há também outra situação de risco em potencial, como as inundações, que, em geral, ocorrem em algumas partes da região durante este período do ano e exigem um planejamento meticuloso, considerando as políticas de pandemia e distanciamento social em curso.

Segundo Leo Heller, relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos à água e ao saneamento, a situação das pessoas mais vulneráveis precisa ser mais divulgada, pois a pandemia irá exacerbar sua realidade. A alta urbanização da região, especialmente em assentamentos informais, causará impactos que ainda não podem ser mensurados. Os sem-teto, a população carcerária e os asilos de baixa renda necessitam de atenção especial. Com relação ao acesso à água potável, o relator especial apontou o fato de que ninguém pode ser privado do acesso à água devido à incapacidade econômica, e é aconselhável reconectar aqueles que não puderam pagar sua conta, bem como não cobrar o fornecimento de água de pessoas com menos recursos.

10 boas práticas no México

Estabelecer as principais diretrizes para enfrentar a pandemia no setor de recursos hídricos é essencial para que cientistas e tomadores de decisão unam forças. Também é importante que haja uma gestão mais prática para lidar com os desafios diários dessa área. Blanca Jiménez Cisneros, diretora-geral da Comissão Nacional de Recursos Hídricos do México, compartilhou dez práticas que estão sendo realizadas em seu país:

  • Definir prioridades, como, por exemplo, garantir que todos os hospitais tenham acesso à água potável.
  • Fortalecer a mensagem de economia dos recursos hídricos, dado que seu consumo aumentou em algumas áreas. Pessoas com melhor acesso à água limpa devem evitar gastos com irrigação de jardins ou lavagens de carros, melhorando assim o acesso em áreas mais vulneráveis.
  • Simplificar o fornecimento de água por caminhões-tanque, estabelecendo pontos de entrega nas cidades, ao invés da entrega de casa em casa.
  • Agir rapidamente para evitar o corte do suprimento de água.
  • Apoiar financeiramente o sistema que permite o fornecimento seguro de água, tendo em mente que a produção de álcool em gel envolveria o dobro do custo.
  • Publicar e disseminar de forma ampla materiais sobre a gestão adequada dos recursos hídricos e a limpeza de residências.
  • Efetuar compras consolidadas em âmbito nacional, o que permite obter preços melhores.
  • Impedir que qualquer um dos setores envolvidos no suprimento de água interrompa esse serviço.
  • Trabalhar em sinergia entre os diferentes setores do governo e empresas privadas, e identificar aliados capacitados para a contenção de emergências e para o gerenciamento de doações.
  • Assegurar a coordenação e a cooperação do setor hídrico.

O apoio por meio de ferramentas econômicas é um pilar fundamental desse processo. René Gómez-García, coordenador da Agenda de Negócios Verdes do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), destacou os instrumentos que eles administram por meio da Estratégia de Recursos Hídricos 2019/2022, que a instituição desenvolve para promover o acesso seguro à água e ao saneamento. Água, saúde, educação e alimentação são as áreas em que esses apoios econômicos se concentram para enfrentar os desafios atuais e futuros.

Por fim, a soma dos esforços intersetoriais (incluindo especialmente os setores de recursos hídricos, saúde, agricultura e energia) e a colaboração transfronteiriça são importantes para melhorar a gestão e a governança dos recursos hídricos, de modo a contribuir para o acesso universal à água potável, ao saneamento e à higiene no contexto da atual emergência sanitária da COVID-19.